Páscoa
Todos os cristãos sabem que Páscoa é o aniversário da ressurreição de Jesus. Muitos ignoram que Páscoa foi uma festa, uma grande festa, muito antes de Jesus no mundo.
O Evangelho, entretanto, nos convida a nela refletir. Ele não nos diz somente que cada ano Jesus ia a Jerusalém para a festa da Páscoa; ele não fala somente que a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus tinham lugar durante as festas da Páscoa; ele nos mostra o Cristo ensinando seus discípulos que "sua hora", era aquela da Páscoa: "Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco". A Páscoa cristã saiu da Páscoa judaica como de uma velha árvore um ramo cheio de seiva.
A Igreja aí não se engana. Durante a Semana Santa e especialmente na 6a Feira e Sábado Santo, ela multiplica suas alusões à antiga Páscoa. Se queremos com ela celebrar a Páscoa Cristã, precisamos olhar a Páscoa judaica e retomar, para ultrapassar, a emoção e a alegria dos judeus de quando eles iam cada ano a Jerusalém para festejar a Páscoa.
A Páscoa Judaica
a) Uma intervenção de Deus
Naquele tempo, quer dizer, doze ou catorze séculos antes de Jesus Cristo, os judeus eram escravos no Egito, sujeitos a duros trabalhos. O rei do Egito, o Faraó, havia ordenado fossem mortas todas as crianças do sexo masculino. Ele queria exterminar a raça. Fatos recentes nos permitem compreender a grosseria da luta e o drama horrível das famílias.
Deus intervém para salvar este povo, e não somente para salvar, mas para lhe dar uma missão. Porque este povo devia preparar no mundo a vinda do Messias.
A libertação se faz em três tempos: (Ex 12,1-14; 21-28)
1- Uma preparação misteriosa. Sob a ordem de Deus em cada família, matava-se um cordeiro e comia-se um cordeiro e comia-se às presas depois de ter colocado seu sangue nos batentes das portas.
2- Uma situação desesperadora. Logo após esta ceia o povo colocar-se-ia sob a condução de Moisés. Mas Faraó e seus exércitos alcançaram os judeus no momento em que eles chegaram no Mar Vermelho. Encurralados no mar, sem armas, eles vão ser aniquilados. Os sobreviventes deveriam se sujeitar a uma escravatura pior ainda que aquela que já conheciam.
3- Um milagre se processa. É então que Moisés, sob a ordem de Deus, estende a mão em direção ao mar, e as águas se abrem para dar passagem aos hebreus. Assim que eles terminaram de passar e que Faraó quer tomar o mesmo caminho, o mar volta ao seu percurso matando os egípcios e todo seu exército. A alegria brilha. Um cântico de ação de graças ecoou. O povo está são e salvo, é livre. Vai assim caminhar para a Terra Prometida.
b) Uma Festa anual
A passagem do Mar Vermelho é a maior data histórica nacional dos judeus e uma das maiores da história religiosa do mundo.
Este dia, graças à intervenção de Deus, os Judeus passaram (Páscoa quer dizer passagem) da escravidão à liberdade, do exílio à pátria, da terra dos ídolos àquela do verdadeiro Deus, do país de escravidão à terra prometida. Ontem eles esperavam a morte, hoje a vida lhes é dada. Um tal acontecimento não poderia ficar na sombra.
Cada ano, na data do aniversário da passagem do Mar Vermelho, os judeus se dirigiam à Jerusalém para ir celebrar uma festa: a Páscoa. Como outrora seus pais, antes de deixar o Egito, eles refaziam a misteriosa preparação, comiam um cordeiro, o cordeiro pascal; depois durante a ceia, cantavam como seus pais outrora, depois da passagem do Mar Vermelho, salmos de louvor a Deus que libertou seu povo.
A Páscoa de Cristo
Cada ano, Jesus celebrava a festa da Páscoa e comia o cordeiro pascal. Mas ele sabia o que significava este alimento misterioso. Era Ele, o verdadeiro Cordeiro de Deus cujo sangue derramado sobre o madeiro da Cruz nos abriria caminho do céu. Uma Páscoa, uma outra passagem o esperava. Leiamos um trecho do evangelho de São Lucas, que nos coloca dentro desta realidade (Lucas 22,7-20).
É o início da Páscoa de Cristo...
a) Uma preparação misteriosa. Na Quinta Feira Santa, com seus discípulos, ele toma a ceia pascal, primeira vez celebra a eucaristia. Ceia misteriosa também.
b) Uma situação desesperadora. Na Sexta Feira Santa, depois de uma agonia, dois processos, a flagelação, o coroamento de espinhos e a pregação na cruz, ele morre. Todas as esperanças desaparecem. Tudo parece perdido.
A Páscoa dos Cristãos
a) O Batismo: É o batismo que nos associa à Páscoa do Cristo e traz até nós seus benefícios. O batismo nos faz passar, nós também, da terra dos ídolos àquela do verdadeiro Deus, do exílio à Pátria, do Império de Satã ao reino de Deus, da vida da terra àquela do Espírito, da escravidão do pecado para a liberdade dos filhos de Deus. Ele nos introduz na Igreja, de que a terra prometida era uma figura. Ele nos faz passar da morte do pecado à vida da graça. Como a primeira Páscoa, ele se opera na água. Como a Páscoa do Cristo ele nos dá a vida eterna.
b) Uma Festa anual: A festa da Páscoa é a grande celebração anual da Páscoa de Cristo e do Batismo. Toda a nossa liturgia nos convida a seguir, passo a passo, os gestos de Cristo durante os últimos dias de sua vida mortal e durante as primeiras horas de sua ressurreição. E quando chega o momento mais solene desta semana, no ofício do Sábado Santo, o Batismo se torna a grande preocupação da Igreja. Pelo Batismo nós reproduzimos a morte e a ressurreição de Jesus. Páscoa é um aniversário. Muito mais que um aniversário. Da mesma forma que os judeus, celebrando a sua Páscoa, davam graças a Deus por sua libertação, assim também durante os dias da grande Semana da Páscoa, nós louvamos a Deus que nos resgatou e que faz de todos nós o seu povo. E desde já, sabendo que a paixão, morte e ressurreição de Cristo nos merecem o céu, nós aspiramos por esta última Páscoa, que, um dia fará todos os batizados entrarem no canto de ação de graças na verdadeira e definitiva Terra Prometida.
Os dias da Semana Pascal formam um todo. Páscoa não é um dia. Páscoa é uma passagem. A passagem da vida, restrita no tempo, à vida, marcada pela eternidade. A celebração desta passagem, na liturgia da Páscoa, começa no Domingo de Ramos e caminha até a aurora da ressurreição. Não se deve separar o que Deus uniu. Não se deve olhar a cruz sem antever a ressurreição. Não se pode contemplar o Cristo Ressuscitado sem ver o seu corpo glorioso marcado pelas cicatrizes da Paixão. São os sinais da sua passagem pela morte. São as provas irrecusáveis de que ele nos mereceu a graça de passar da terra dos homens àquela de Deus.